O segundo semestre do ano de 2014 foi bem estranho. Eu me sentia
diferente, fraca, era como se meu cérebro não estivesse funcionando, meus
cabelos caíam aos montes e eu tinha dificuldade de dormir à noite.
Pensava ser o stress, afinal muitos trabalhos meus haviam sido
cancelados, eu estava preocupada. Por outro lado, meu primeiro livro seria
publicado em fevereiro de 2015, “só” faltava arte finalizar. Sabia que pintar o
“Menina que organizava” não seria fácil, pois tinha me proposto a fazer algo
trabalhoso, mais do que sempre, mas a execução das pinturas começou a ficar
muito mais difícil do que eu imaginava.
Minha cabeça estava confusa, eu não acertava as cores,
enquadramento de cenas, ficava nervosa, acabei cortando muitas telas com
estilete por estar insatisfeita com o resultado. Lembro que uma amiga até
brincou comigo dizendo: “Enquanto você não cortar a orelha está tudo bem”, rs.
A vida seguiu, o mês de fevereiro chegou, trazendo a notícia do
adiamento da publicação da obra, o que me deixou extremamente “feliz”, como
devem imaginar. Logo depois, na festa de 1 ano do meu afilhado, encontrei um
primo que não via há muito tempo, advogado. Ele me contou que tinha levantado
toda documentação da família e que estava indo para a Itália fazer a cidadania
dele com uma empresa de lá.
Há muitos anos eu namorava um mestrado na Itália em ilustração e
há muito tempo queria ir pra lá, por N motivos. Eu não estava com quase nada de
dinheiro, mas o fato de o meu primo já ter visto toda documentação e tudo estar
encaminhado era uma grande oportunidade. Emprestei dinheiro e comecei a me
programar para ir no final de abril.
A correria com documentação, consulado, cartórios etc era
grande, o cansaço só aumentava, assim como a já crônica queda de cabelo. Às
vezes pensava que não teria forças para continuar.
Em abriu recebi um telefonema para confirmar consulta minha e do
meu pai numa clínica chamada Costa Claro, para o dia seguinte. “Costa o quê?”,
pensei. Confirmei, desliguei e não conseguia lembrar por que tinha marcado consulta
naquela clínica. O cansaço era imenso, a correria e o stress pesavam...
Só depois de um tempo lembrei que tinha marcado consulta lá por
indicação da minha nutricionista e amiga Mariane Rovedo. Comentei com ela que meu
pai havia tido uma crise de refluxo e estufamento e a endoscopia dele tinha
negativado para D.C. Ela então sugeriu que eu marcasse consulta com o médico
dela pra nós dois.
Depois que confirmei, fiquei pensando que era melhor cancelar.
Quando falei pro meu pai da consulta – que havia marcado mais de 7 meses antes –
ele disse que não iria. Na hora pensei: “Pronto, ligo lá e desmarco a minha e a
dele e continuo minha maratona atrás dos preparativos da viagem”.
Liguei para a clínica e comecei falando que meu pai ia desmarcar,
que tinha outro compromisso, e a secretária explodiu: “Como? As pessoas demoram
pra conseguir consulta aqui e ele desmarca uma hora antes? Mas pelo menos você
vem, né?
Nunca me senti tão acuada... peguei um táxi voando e fui. Mal sabia
eu que minha vida estava pra mudar, e mal sabia eu como estava minha saúde...
Um médico pra chamar de meu
Ao chegar na sala do dr. Paulo, eu tinha um sorriso nos lábios e
realmente fui lá só por medo da secretária (rsrs), mas pensava: “Já estou indo num
gastro, me cuido um monte, só vim perder meu tempo mesmo”.
Ao ver minha primeira biópsia, o médico já soltou: “Seu tipo de
D.C é bem sério, você tem se cuidado, né?” Eu respondi que sim. Ele foi falando
uma lista enorme com nomes de exames, segundo ele obrigatórios para qualquer
celíaco e pra surpresa dele eu jamais tinha ouvido falar de nenhum deles, muito
menos feito.
Também me perguntou da lactose, pergunta à qual respondi com
segurança que minha intolerância era só ao glúten, que meu médico havia liberado
a lactose, e havia mesmo, mas sem fazer exame algum antes.
Dr. Paulo ia franzindo cada vez mais a testa e eu me intimidando
cada vez mais. Não demorou muito, ele falou: “De pronto já posso dizer que está
com refluxo e que seu intestino está distendido por contaminação cruzada”.
Fiz todos os exames de sangue que ele solicitou, o de intolerância
à lactose também, endoscopia e colonoscopia. Tinha mais um monte de exames para
fazer, mas todos exigiam jejum ou eram demorados e eu não tinha aquele tempo todo.
Estava a menos de um mês da viagem e quase tudo pra preparar, um livro para
fechar e dinheiro para arrecadar. Deixei alguns exames para a volta, mas não
estava querendo voltar.
Não demorou muito para saber como estava minha saúde. Os exames
de sangue revelaram que a B12, D e A estavam abaixo do normal. Meu exame da
lactose revelou que eu era 100% intolerante, e já comecei a dar adeus à Nutella
que estava no armário. A endoscopia revelou um tumor que só a biópsia diria se
era benigno ou maligno. Ele me enviaria isso por e-mail. Minha colonoscopia não
revelou nada, mas dr. Paulo foi prudente, havia outro exame intestinal a fazer.
Estava nervosa com tudo aquilo, injetei B12 e na semana seguinte
estava embarcando para a Itália, não contei a ninguém sobre o tumor, não iam me
deixar viajar. Pensei: “Melhor morrer depois de ter visto os girassóis da
Toscana”, rs.
A viagem longa do avião, a fraqueza, a notícia do tumor, me
fizeram refletir sobre a morte e sobre a vida. Todos sabemos que iremos morrer
um dia, mas ver a mulher da foice se aproximando, aí já é outra coisa.
Na Itália acabei ficando num lugar isolado no alto de uma
montanha, perto de um Santuário. Foi quase um retiro espiritual. Também entrei
em contato com muitas editoras de lá, dei andamento à cidadania e pensava no
tumor, no resultado... “o que tinha feito da minha vida?”, pensava no tanto de
livros, animações que ainda queria fazer, no grande amor que não tinha
aparecido, pensava em tudo, tudo, tudo.
Um mês depois, o e-mail do dr. Paulo chegou trazendo a notícia
de que o tumor era benigno, mas inspirava cuidados, me receitou medicação.
Minha queda de cabelo só piorava, passava a mão e saía uma
tonelada. No fundo eu sabia que algo não estava bem. Fui num médico de lá, mas
ele não aceitou os exames, pois estavam em português e só eu traduzir não
bastava. Eu teria de ir num gastro lá, mas a espera seria de quatro meses.
Achei mais prudente voltar.
Na volta refiz os exames de sangue e fiz os que não tinha feito.
Minha B12 estava 130 e havia um aviso na página impressa do laboratório (o
ideal é acima de 500!). Comecei a injetar B12 desde julho do ano passado, e
injetarei até o final deste ano e lá se vão sete meses recebendo aquela delícia
de injeção... rs, quem já tomou sabe do que eu estou falando.
Fiz um exame chamado “trânsito do intestino delgado”, que
revelou atrofia de grande parte das vilosidades, o que esclareceu porque não
absorvo via oral os nutrientes necessários para qualquer ser humano viver.
Acho que as coisas na vida da gente não são por acaso. Quando
fiquei na Itália eu fazia minha comida. No dia que retornei ao Brasil, lembro
que era hora do almoço, e como de costume comi a comida da minha mãe. Na hora
me senti mal. Antes de ir para a Itália eu gerenciava meu café e meu jantar. O
almoço minha mãe fazia e dizia cuidar da cruzada.
Comprei mais utensílios para mim e não demorou muito para
perceber que ela apoiava o frango que ia preparar para o almoço na mesa que
tinha abrigado migalhas do café, não demorou muito para ver que ela comia
sanduíches enquanto preparava o almoço...
Moral da história? Meu organismo estava muito mal porque estava
me contaminando e não sabia e se não tivesse ido à Itália as cosias só teriam
piorado..
O dr. Paulo foi o único médico a me dar a real: “Eve, você é
hipersensível e seus cuidados devem ser redobrados. Você deverá fazer tua
comida para sempre, ou comer em restaurantes sem glúten”.
Tenho planos de ir morar na Itália, mas pretendo continuar
tratando com o médico que salvou minha vida. O apoio clínico e humano que ele
dá é imenso. Ele sabe das dores da vida de um celíaco.
Ele me abriu os olhos sobre a condição de autoimune da D.C:
“Mesmo você cuidando pode desenvolver outros problemas Eve, não cuidando pior
ainda”.
Acho que aproveito esse momento para dizer que se você celíaco
“está levando” ou está com um médico “mais ou menos”, está na hora de repensar
isto, pois nossa vida depende da dieta e de um acompanhamento correto.