sexta-feira, 3 de junho de 2016

Familia e D.C

As famílias das propagandas são lindas, mas estão “um pouco” longe da

realidade, acredito eu. No geral, como acontece no mundo todo, tudo que

saia um pouco do padrão causa um certo estranhamento e não é tão bem

acolhido.

Minha carreira de escritora/ilustradora sempre foi com estranhamento

vista pela minha família e meus cuidados por ser celíaca também. Como

moro numa casa na qual as pessoas consomem glúten, meus cuidados são

redobrados para que eu não me contamine. Coloco etiquetas nas minhas

coisas. Tenho uma parte do armário só para mim. Evito apoiar meus

utensílios nas superfícies, e se faço isso forro antes com papel toalha.

A hora de lavar louças é um malabarismo, não pego diretamente na

torneira. Enfim, evito o contato, pois sei o mal que a contaminação pode

trazer para mim. Aproveito para dizer que estes e outros cuidados devem

ser tomados por qualquer celíaco, não só por sintomáticos como eu.

Infelizmente, os assintomáticos que não se conscientizarem sofrerão as

consequências.

É engraçado, porque eu já aceitei a D.C e os cuidados que preciso ter, mas

meus familiares nunca, de fato. Isso às vezes é muito estressante, mas de

forma alguma penso em abandonar meus cuidados para agradar alguém.

Li bastante sobre a contaminação cruzada e também vivencio seus efeitos

quando me contamino acidentalmente. Essa contaminação acidental me

traz noites em claro, dores abdominais terríveis, então se os meus

cuidados te incomodam, paciência, cada um sabe onde seu sapato aperta.

Também acho muito triste ser uma celíaca certificada (risos) e ninguém da

minha família ter investigado a possibilidade de ser celíaco ainda, afinal a

D.C pode estar associada a N doenças.

O mais engraçado – ou trágico, como queiram – é vê-los desenvolver

possíveis doenças e sintomas associados à D.C. Meu pai tem

estufamentos, refluxos, gases e, não raro, episódios de diarreia. Já operou

duas vezes úlcera duodenal, ou seja...

Meu irmão tem muito estufamento, gases e desenvolveu um problema no

fígado. Já minha irmã fez um exame, negativou e não investigou mais. Já

expliquei a ela que vários exames podem diagnosticar D.C. Um celíaco

pode negativar num exame e positivar no outro.

Eles comentam que seria muita loucura trocar utensílios, forno e alguns

eletrodomésticos. Enfim, a “loucura” de evitar a contaminação cruzada

não caberia na vida deles. Aliás, várias pessoas me falam isso, mas acho

que falta lembrar que o sofrimento de um possível câncer terminal é mais

caro... porque sim, quando a dieta não é seguida por um celíaco, o

caminho é um câncer ou outra doença não menos terrível.

Bem, o que tenho a dizer para você que tem a D.C incompreendida pelos

familiares é: “Siga sua dieta, cuide da contaminação e ame a sua vida” .

Simples assim. É difícil ver as pessoas da família negando a possibilidade

de serem celíacos, possibilidade de viver melhor ou até de viver? É, mas

você deve seguir fazendo sua parte, falando sobre, mesmo sendo

considerado “o chato do glúten” e, se possível, morar sozinho ou morar

com quem respeite a D.C.

O mais importante é seguir adiante, é genético e não há nada que

possamos fazer contra isso. É lógico que não posso deixar de mencionar as

tantas famílias que “abraçam” a dieta de um familiar celíaco. Elas existem


e que bom se este é o seu caso, fico sinceramente feliz por você.

quinta-feira, 3 de março de 2016

Momento “Saco Cheio”

Acho que todo celíaco, por mais maduro que seja, tem seu momento,de “Saco Cheio” da dieta, o meu dura segundos, saco cheio da contaminação cruzada, de ser celíaco etc etc... Uma atitude infantil e boba? Sim, mas quem não tem?
Hoje eu ia preparar uma polenta que minha mãe deu de presente para mim, rs. Ela estava segura quando me entregou o pacote e disse: “Essa não contém glúten”.

Eu deixei aquela polenta no armário quase que mofando... olhava pra ela, ela olhava pra mim, mas não sei, não tinha vontade de fazer. Um dia decidi fazer porque estava com desejo de polenta com molho, mas antes, por força do hábito fui ler, ou melhor, “escanear” a embalagem e sim, continha glúten. Lá se foi minha polenta ao molho por água abaixo.


“Como seria bom comer sem precisar ler embalagens”, “como seria bom não ser celíaca”, “que saco tudo isso”. Mas logo voltei pro corpo: “Sou celíaca e ponto, vida que segue”.

terça-feira, 1 de março de 2016

Itália, tumor no estômago e Dr. Paulo



O segundo semestre do ano de 2014 foi bem estranho. Eu me sentia diferente, fraca, era como se meu cérebro não estivesse funcionando, meus cabelos caíam aos montes e eu tinha dificuldade de dormir à noite.

Pensava ser o stress, afinal muitos trabalhos meus haviam sido cancelados, eu estava preocupada. Por outro lado, meu primeiro livro seria publicado em fevereiro de 2015, “só” faltava arte finalizar. Sabia que pintar o “Menina que organizava” não seria fácil, pois tinha me proposto a fazer algo trabalhoso, mais do que sempre, mas a execução das pinturas começou a ficar muito mais difícil do que eu imaginava.

Minha cabeça estava confusa, eu não acertava as cores, enquadramento de cenas, ficava nervosa, acabei cortando muitas telas com estilete por estar insatisfeita com o resultado. Lembro que uma amiga até brincou comigo dizendo: “Enquanto você não cortar a orelha está tudo bem”, rs.

A vida seguiu, o mês de fevereiro chegou, trazendo a notícia do adiamento da publicação da obra, o que me deixou extremamente “feliz”, como devem imaginar. Logo depois, na festa de 1 ano do meu afilhado, encontrei um primo que não via há muito tempo, advogado. Ele me contou que tinha levantado toda documentação da família e que estava indo para a Itália fazer a cidadania dele com uma empresa de lá.

Há muitos anos eu namorava um mestrado na Itália em ilustração e há muito tempo queria ir pra lá, por N motivos. Eu não estava com quase nada de dinheiro, mas o fato de o meu primo já ter visto toda documentação e tudo estar encaminhado era uma grande oportunidade. Emprestei dinheiro e comecei a me programar para ir no final de abril.

A correria com documentação, consulado, cartórios etc era grande, o cansaço só aumentava, assim como a já crônica queda de cabelo. Às vezes pensava que não teria forças para continuar.

Em abriu recebi um telefonema para confirmar consulta minha e do meu pai numa clínica chamada Costa Claro, para o dia seguinte. “Costa o quê?”, pensei. Confirmei, desliguei e não conseguia lembrar por que tinha marcado consulta naquela clínica. O cansaço era imenso, a correria e o stress pesavam...

Só depois de um tempo lembrei que tinha marcado consulta lá por indicação da minha nutricionista e amiga Mariane Rovedo. Comentei com ela que meu pai havia tido uma crise de refluxo e estufamento e a endoscopia dele tinha negativado para D.C. Ela então sugeriu que eu marcasse consulta com o médico dela pra nós dois.

Depois que confirmei, fiquei pensando que era melhor cancelar. Quando falei pro meu pai da consulta – que havia marcado mais de 7 meses antes – ele disse que não iria. Na hora pensei: “Pronto, ligo lá e desmarco a minha e a dele e continuo minha maratona atrás dos preparativos da viagem”.

Liguei para a clínica e comecei falando que meu pai ia desmarcar, que tinha outro compromisso, e a secretária explodiu: “Como? As pessoas demoram pra conseguir consulta aqui e ele desmarca uma hora antes? Mas pelo menos você vem, né?

Nunca me senti tão acuada... peguei um táxi voando e fui. Mal sabia eu que minha vida estava pra mudar, e mal sabia eu como estava minha saúde...



Um médico pra chamar de meu


Ao chegar na sala do dr. Paulo, eu tinha um sorriso nos lábios e realmente fui lá só por medo da secretária (rsrs), mas pensava: “Já estou indo num gastro, me cuido um monte, só vim perder meu tempo mesmo”.

Ao ver minha primeira biópsia, o médico já soltou: “Seu tipo de D.C é bem sério, você tem se cuidado, né?” Eu respondi que sim. Ele foi falando uma lista enorme com nomes de exames, segundo ele obrigatórios para qualquer celíaco e pra surpresa dele eu jamais tinha ouvido falar de nenhum deles, muito menos feito.

Também me perguntou da lactose, pergunta à qual respondi com segurança que minha intolerância era só ao glúten, que meu médico havia liberado a lactose, e havia mesmo, mas sem fazer exame algum antes.

Dr. Paulo ia franzindo cada vez mais a testa e eu me intimidando cada vez mais. Não demorou muito, ele falou: “De pronto já posso dizer que está com refluxo e que seu intestino está distendido por contaminação cruzada”.

Fiz todos os exames de sangue que ele solicitou, o de intolerância à lactose também, endoscopia e colonoscopia. Tinha mais um monte de exames para fazer, mas todos exigiam jejum ou eram demorados e eu não tinha aquele tempo todo. Estava a menos de um mês da viagem e quase tudo pra preparar, um livro para fechar e dinheiro para arrecadar. Deixei alguns exames para a volta, mas não estava querendo voltar.

Não demorou muito para saber como estava minha saúde. Os exames de sangue revelaram que a B12, D e A estavam abaixo do normal. Meu exame da lactose revelou que eu era 100% intolerante, e já comecei a dar adeus à Nutella que estava no armário. A endoscopia revelou um tumor que só a biópsia diria se era benigno ou maligno. Ele me enviaria isso por e-mail. Minha colonoscopia não revelou nada, mas dr. Paulo foi prudente, havia outro exame intestinal a fazer.

Estava nervosa com tudo aquilo, injetei B12 e na semana seguinte estava embarcando para a Itália, não contei a ninguém sobre o tumor, não iam me deixar viajar. Pensei: “Melhor morrer depois de ter visto os girassóis da Toscana”, rs.

A viagem longa do avião, a fraqueza, a notícia do tumor, me fizeram refletir sobre a morte e sobre a vida. Todos sabemos que iremos morrer um dia, mas ver a mulher da foice se aproximando, aí já é outra coisa.

Na Itália acabei ficando num lugar isolado no alto de uma montanha, perto de um Santuário. Foi quase um retiro espiritual. Também entrei em contato com muitas editoras de lá, dei andamento à cidadania e pensava no tumor, no resultado... “o que tinha feito da minha vida?”, pensava no tanto de livros, animações que ainda queria fazer, no grande amor que não tinha aparecido, pensava em tudo, tudo, tudo.

Um mês depois, o e-mail do dr. Paulo chegou trazendo a notícia de que o tumor era benigno, mas inspirava cuidados, me receitou medicação.

Minha queda de cabelo só piorava, passava a mão e saía uma tonelada. No fundo eu sabia que algo não estava bem. Fui num médico de lá, mas ele não aceitou os exames, pois estavam em português e só eu traduzir não bastava. Eu teria de ir num gastro lá, mas a espera seria de quatro meses. Achei mais prudente voltar.

Na volta refiz os exames de sangue e fiz os que não tinha feito. Minha B12 estava 130 e havia um aviso na página impressa do laboratório (o ideal é acima de 500!). Comecei a injetar B12 desde julho do ano passado, e injetarei até o final deste ano e lá se vão sete meses recebendo aquela delícia de injeção... rs, quem já tomou sabe do que eu estou falando.

Fiz um exame chamado “trânsito do intestino delgado”, que revelou atrofia de grande parte das vilosidades, o que esclareceu porque não absorvo via oral os nutrientes necessários para qualquer ser humano viver.

Acho que as coisas na vida da gente não são por acaso. Quando fiquei na Itália eu fazia minha comida. No dia que retornei ao Brasil, lembro que era hora do almoço, e como de costume comi a comida da minha mãe. Na hora me senti mal. Antes de ir para a Itália eu gerenciava meu café e meu jantar. O almoço minha mãe fazia e dizia cuidar da cruzada.

Comprei mais utensílios para mim e não demorou muito para perceber que ela apoiava o frango que ia preparar para o almoço na mesa que tinha abrigado migalhas do café, não demorou muito para ver que ela comia sanduíches enquanto preparava o almoço...

Moral da história? Meu organismo estava muito mal porque estava me contaminando e não sabia e se não tivesse ido à Itália as cosias só teriam piorado..

O dr. Paulo foi o único médico a me dar a real: “Eve, você é hipersensível e seus cuidados devem ser redobrados. Você deverá fazer tua comida para sempre, ou comer em restaurantes sem glúten”.

Tenho planos de ir morar na Itália, mas pretendo continuar tratando com o médico que salvou minha vida. O apoio clínico e humano que ele dá é imenso. Ele sabe das dores da vida de um celíaco.

Ele me abriu os olhos sobre a condição de autoimune da D.C: “Mesmo você cuidando pode desenvolver outros problemas Eve, não cuidando pior ainda”.

Acho que aproveito esse momento para dizer que se você celíaco “está levando” ou está com um médico “mais ou menos”, está na hora de repensar isto, pois nossa vida depende da dieta e de um acompanhamento correto.